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DIVERSÃO: ESSE NEGÓCIO
 Luiz Angelo Pinto

 

A LEI QUE FOI PRO LIXO

GAMES NEWS Nº 38 - JAN/FEV/96

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA, POR VOTAÇÃO UNÂNIME, DERRUBA LEI DOS 600 METROS

 

1.

REFLEXÕES SOBRE O PODER

O Estado Moderno, como instituição, está organizado de modo a engendrar dentro dele próprio a formação de quadrilhas. Surgem regularmente, em todas as esferas de poder, grupos que se dedicam à chantagem, extorsão, venda ou troca de favores.

O poder que uma pessoa detém varia muito: desde um guarda de trânsito ou fiscal, passando por um chefe de seção, um vereador, um líder de partido ou líder sindical até um presidente de Congresso ou um chefe de Estado.

Ninguém detém um poder total e absoluto. Várias pessoas têm que se articular entre si para operar no ramo do poder. Daí, a formação de quadrilhas.

Em geral é muito difícil caracterizar como crimes as práticas usuais no jogo do poder. O componente de arbítrio pesa muito. Um fiscal pode multar ou não multar — eis a questão — ver ou não ver uma irregularidade ou quase irregularidade ou suposta irregularidade. Tudo tem um duplo sentido. Tudo pode ser visto sob ângulos e luzes diferentes. Tudo pode se justificar de maneira mais ou menos plausível. As sociedades são sistemas complexos. É praticamente impossível definir o que seria "o interesse geral".

Um congressista pode apresentar um projeto de lei cuja finalidade seria por exemplo "proteger as crianças". Mas o mesmo projeto pode também servir para:

1. Extorquir dinheiro de algum ramo que venha a ser prejudicado no caso do projeto se transformar em lei.

2. Pode ser usado como moeda de troca no jogo do poder — eu abro mão disso e você abre mão daquilo ou nós aprovamos isso, mas também aprovamos aquilo.

São defeitos, são problemas É o preço que se paga para que funcione qualquer democracia.

No jogo do poder fica muito difícil definir o limite entre o ato legal e o ato criminoso. Há, é claro, casos extremos que não deixam margem à dúvida mas em geral tudo fica a meio caminho numa área cinzenta.

 

2

O NEGÓCIO DAS DIVERSÕES

 

 

Todo setor comercial ou industrial que em algum momento é ou parece ser muito rendoso pode se tornar vítima de chantagem e de tentativa de extorsão.

O setor de diversões, durante as décadas de 70 e 80, parecia ser um bom negócio. E, como era de se esperar, foi alvo de várias tentativas de extorsão.

O discurso do poder para consumo de massas mal formadas e mal informadas é sempre o mesmo: falar em nome de um vago e sempre mal definido "bem de todos e felicidade geral da nação".

Dependendo da moda e da época e de quais são os basbaques que estão ouvindo todos falam em nome de uma causa nobre: a defesa dos trabalhadores, das crianças, das florestas, das baleias ou dos crocodilos.

Há setores mais sujeitos a chantagem e tentativas de extorsão. É o caso das diversões. Nossa cultura, nos últimos 2000 anos, vem se fundamentando em certos valores, alguns considerados positivos; outros, negativos. O trabalho é considerado um valor positivo. Trabalhar é bonito. Tudo se justifica, se você estiver trabalhando. Por outro lado o lazer, a diversão, são considerados como algo negativo. O lazer desvia e afasta do trabalho. Divertir-se é feio.

A sociedade industrial reforçou esses valores criando um horário de trabalho que torna toda e qualquer outra atividade praticamente impossível de ser exercida. O tempo na sociedade industrial se esgota quase totalmente com os atos de trabalhar, comer e dormir. Qualquer outra atividade é, no máximo, tolerada. No fim e ao cabo, é sempre considerada secundária e prejudicial.

Historicamente a diversão como indústria organizada é um fato recente. Não tem mais do que cem anos. Ainda não houve tempo e condições para que se impusesse socialmente.

Setores mais antigos como os bancos, por exemplo, também começaram como coisa feia. Até o fim da Idade Média, emprestar dinheiro a juros era pecado. O setor bancário precisou de alguns séculos para ser considerado respeitável e dispor de uma estrutura legal que lhe garantisse a existência.

Algum dia alguém vai escrever a triste história das proibições das atividades de lazer, suas mazelas, seus interesses ocultos. A Lei Seca, caça-níqueis destruídos a pauladas, cassinos que só podem ser explorados por índios ou só podem funcionar dentro de barcos, horários rigorosos para fechamento de bares, confinamento ou proibição de jogos de azar, limites de idade, limites de tempo, limites de espaço — limites condizentes com a inteligência limitada de quem os cria.

E, quando pensamos que o repertório de proibições já está esgotado, sempre aparece um gaiato que descobre um "pecado novo".

 

 

3.

O CASO DO PROFESSOR DE GEOGRAFIA QUE QUERIA TIRAR A DIVERSÃO DO MAPA

 

Em 1985 um professor de Geografia que na época era também vereador da Câmara Municipal de São Paulo resolveu literalmente "tirar as diversões do mapa". Inventou um Projeto de Lei proibindo as casas de diversões eletrônicas de se instalar a menos de 600 metros de qualquer escola.

O objetivo do projeto era, é claro, proteger as crianças que deveriam freqüentar as escolas, livres de outras tentações. Muito nobre (toda sacanagem sempre pretende ser feita em nome de algo nobre).

O projeto foi aprovado pela Câmara, se transformou em Lei e em instrumento de chantagem tendo por vítima o setor de diversões eletrônicas.

A Lei era um atentado ao direito de trabalhar, um atentado à liberdade da população escolher suas formas de lazer, um atentado à Constituição, que não permite a extinção de um ramo por meio de lei municipal, e um atentado à inteligência. Sim, um atentado à inteligência pois, mesmo que não tivesse já todos os outros defeitos, era, a rigor, inaplicável. Não se pode limitar a área permitida a um ramo (diversões) em função de outro (escolas). Explico melhor. Suponha que uma loja de diversões se instale em um local permitido, a mais de 600 metros de qualquer escola. Suponha ainda que, alguns meses depois, uma escola pretenda se instalar próxima àquele local de diversões. Há poucas alternativas: ou a escola se instala e a loja é fechada, "nos termos da lei", ou a escola também está impedida de se instalar, nos termos da mesma lei, ou ambas convivem na ilegalidade.

Se a lei fosse efetivamente aplicada extinguiria o ramo de diversões na cidade de São Paulo pois não existe — literalmente não existe — local no município que esteja a menos de 600 metros de alguma escola.

Os operadores de locais de diversões em São Paulo, naquela altura, tinham duas opções para continuar a trabalhar: se submeter à uma possível chantagem e extorsão dependendo sempre da "boa vontade" das autoridades ou brigar judicialmente para poder operar legalmente, sem precisar trocar "favores" e "agrados" com ninguém.

Para quem pensa a curto prazo o primeiro caminho sempre parece o mais prático — dá-se um "presentinho" a um fiscal aqui, colabora-se com a campanha de um vereador ali e vamos levando.

A briga judicial é mais complicada, mais difícil, mais arriscada, mas muito mais digna e muito mais sólida. A briga judicial requer tempo, há que se enfrentar as autoridades e sempre se corre o risco de perder. Mas é a única forma de não aceitar passivamente a condição de marginal, de clandestino. Em vez de pedir favores e dar "presentinhos", de se mancomunar com os bandidos que freqüentam o poder, procura-se criar um direito — direito de trabalhar, direito de não ser chantageado, de não ser extorquido.

A briga judicial era, naquele momento, a única forma de legitimar o ramo de diversões eletrônicas na cidade de São Paulo. Era também a única forma de, criando jurisprudência, legitimar o ramo em todo o Brasil.

 

4.

UMA BRIGA BONITA

Desde que a Lei dos 600 metros foi promulgada, em 1985, foram feitas várias tentativas para derrubá-la. Nenhuma deu resultado até que, em 1989, um pequeno grupo de empresários do ramo se reuniu e entrou com a ação certa. Para isso foram imprescindíveis a perfeita assessoria jurídica dos drs. Erasmo França e Jayme Cavalcanti e o trabalho técnico da EMBRAESP.

O argumento básico era o seguinte: uma lei que impede a instalação de locais de diversões a menos de 600 metros das escolas extingue o ramo no município por acabar inteiramente com a área permitida, e lei municipal não pode extinguir ramo. Para provar isso a EMBRAESP produziu um mapa completo do município com a rede de escolas mostrando que não haveria espaço para sequer uma loja de diversões em todo o município.

Foi um trabalho sério que teve uma avaliação séria por parte de todos os juízes a quem foi submetido. A ação foi vitoriosa em primeira instância, ganhou por unanimidade no Tribunal e foi até o Supremo onde finalmente, em 1996, também ganhou por unanimidade.

O Poder Judiciário acabou com um instrumento de coação e extorsão colocando aquela lei no seu devido lugar — a lata do lixo.

São Paulo é o maior município do Brasil em população e, de longe, o mais importante economicamente. Oque ocorre em São Paulo repercute imediatamente no resto do Brasil. Assim, a decisão judicial gerada por aquela ação cria tranqüilidade e segurança para o ramo de diversões em todo o Brasil. E cria sobretudo dignidade para um ramo ainda novo que mal começa a escrever sua história.

 

 

 

 
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última modificaçao: October 24, 2001