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do livro
ÁFRICA DO SUL: UM JOGO ABERTO GAMES NEWS Nº 36 - SET/OUT/95
O problema da criação de uma legislação adequada para regulamentar o jogo é complexo. De um lado há todo um conjunto de preconceitos. Jogo é antes de mais nada uma forma de lazer e como tal é "pecaminoso" nas sociedades que se formaram sob influência da ideologia ocidental-judaico-cristã. O lazer é considerado como parte de um binômio, trabalho/lazer, no qual o trabalho tem uma conotação positiva, é bem aceito socialmente, e o lazer, no outro pólo, tem uma conotação negativa, é visto como coisa feia. Mas esse tema é muito amplo para que se o desenvolva aqui. Deixo isso para outra oportunidade. Além do peso do preconceito, há também uma rede de interesses, alguns confessáveis, outros não, que influem sobre, determinam, moldam e orientam qualquer discussão sobre a regulamentação do jogo. Afinal, a clandestinidade é muito confortável e lucrativa para certas minorias que se consideram as donas do pedaço. A África do Sul, agora sob a presidência de Nelson Mandela, depois dos longos anos de violência do apartheid, começa a criar as condições para se transformar, lentamente - não há outro jeito - num país moderno. Sai da época tribal para se integrar na grande aldeia global em que o mundo se transformou. A GAMEX S.A.‘95 ( cuidado, aqui S.A. quer dizer South Africa e não Sociedade Anônima) foi a primeira feira de equipamentos de diversões realizada no continente africano. Aconteceu em Johannesburg durante os dias 6, 7 e 8 de novembro de 1995 (ver matéria sobre ela nesta mesma edição). Foi aberta pelo Sr. C. L. Fismer, ministro para Assuntos Gerais da Africa do Sul, com um inteligente discurso sobre o que o governo Mandela pretende com a proposta de uma nova legislação sobre o jogo naquele país. Convém resumir e discutir brevemente o que foi dito pelo ministro pois os problemas na África do Sul, no que diz respeito a esse tema, têm muitos pontos em comum com a situação brasileira. Aqui também, por outros motivos e outros caminhos, o "clima" está mudando e alguns assuntos começam a ser discutidos mais a sério. O ministro, na sua fala de abertura da feira, refere-se inicialmente à nascente indústria sul africana de equipamentos de jogos e ao projeto de lei apresentado ao parlamento que deverá ser discutido, modificado e provavelmente aprovado até a Páscoa de 96. Alguns princípios básicos orientaram e vêm orientando o governo na elaboração dessa lei. 1. Clareza, transparência e imparcialidade na conduta do governo, na política e na legislação. 2. A legislação deve conseguir um equilíbrio entre as províncias, entre o governo central e as províncias e entre o que já existe investido e os novos investimentos. Não se pretende uma "caça às bruxas" - e essa foi literamente a expressão usada pelo ministro - contra os investimentos já existentes. 3. A competição, o mercado, deve ser a força reguladora. Os empreendedores não devem ficar assustados com o governo mas devem, isso sim, levar em consideração a concorrência. Isto é, o governo não está aí para impedir, coibir, proibir, assustar, chantagear, extorquir mas única e exclusivamente para regulamentar a atividade. Aqui já cabe um primeiro comentário. Quero me referir à situação brasileira. Japoneses, portugueses, espanhóis estão trazendo capital, tecnologia e trabalho para o Brasil no setor de diversões. Há um tipo de equipamento - as gruas - em que uma pessoa testa sua habilidade em pegar bichinhos de pelúcia, que têm tido muita aceitação no mercado nacional. Isso foi suficiente para que a imbecilidade reinante, para não dizer outra coisa, se ouriçasse inteira. A Prefeitura de S. Paulo iniciou mais uma temporada de caça às bruxas. Saiu para as ruas aterrorizando e ameaçando os comerciantes que ousaram colocar aqueles perigosos equipamentos nas suas padarias, lanchonetes etc. Um vereador, percebendo o espírito da coisa, logo "bolou" um projeto de lei para afastar as gruas das escolas. Se esse projeto não pecasse por outras coisas maiores pecaria, no mínimo, por falta de imaginação e por total desinformação da parte daquele vereador. Ele não sabe (ou finge não saber?) que uma lei nos mesmos moldes para diversões eletrônicas foi posta no seu devido lugar - a lata de lixo - por sábia decisão judicial. Mas voltemos à fala do ministro. Ele diz literamente que "um dos principais interesses do governo na indústria do jogo é maximizar uma nova fonte de coleta de impostos". Mas continua: "Maximizar a coleta de impostos não será possível se não criarmos as condições para que os investidores maximizem seus lucros". Os legisladores brasileiros, pelo menos os mais inteligentes, deveriam pensar a sério nessa formulação do ministro. Acabar com a atividade clandestina e todas as mazelas daí decorrentes é outro dos objetivos do atual governo da África do Sul e a melhor arma para isso é a regulamentação da atividade. O ministro conclui sua fala com um último princípio: "Os investimentos relacionados com o jogo devem ser organizados no sentido de criar a necessária infra-estrutura, empregos e fortalecimento econômico da nossa sociedade". As intenções do governo sul-africano são louváveis e as propostas, inteligentes. Temos seguramente alguma coisa a aprender com esses nossos amigos e irmãos que, encarando corajosamente todas as dificuldades, estão tentando transformar esse lado de baixo do equador num mundo mais habitável, mais amigável para todos nós.
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