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do livro UM TEMPO PARA O ÓCIO GAMES NEWS Nº 61 - MAR/ABR/01
Por tempo demais fomos treinados a fatigar em vez de gozar. (conferência pronunciada em Madri, 1930)
A sociedade industrial em que vivemos muda. E muda rapidamente. Nossa cultura há muito considera o trabalho como um valor positivo e o ócio, um valor negativo. Trabalhar é bom, bonito, honesto. Divertir-se, usar o tempo para o ócio é feio — é coisa de vagabundo. Entende-se que essa tenha sido a forma de pensar dominante durante muito tempo. Ou, para ser mais preciso, tem se pensado assim principalmente durante os últimos séculos, desde a Revolução Industrial. A Revolução Industrial, nos seus primórdios exigia muito trabalho. O processo de acumulação capitalista não foi fácil. Marx , em O Capital, conta essa história. Mas uma das características dessa nova sociedade é justamente a rápida mudança na tecnologia, na forma de produzir e trabalhar. Aquilo que no início parecia levar a uma sociedade de escravos abriu outros e inesperados caminhos. Com as novas tecnologias se produz cada vez mais, melhor e com menos, muito menos, cada vez menos trabalho. A relação (alguns diriam "a relação dialética"...) entre trabalho e ócio está se resolvendo de forma inesperada. O tempo para o trabalho vem cedendo espaço ao tempo para o ócio, ao tempo para ser dedicado ao lazer. A reflexão sobre o tema não e nova. Paul Lafargue, não por coincidência genro do Marx, começou a discutir o assunto, em 1880, no seu livro O Direito ao Ócio. E não deixou por menos — já no primeiro capítulo afirma: "Na sociedade capitalista o trabalho é a causa de toda degeneração intelectual, de toda deformação orgânica". É o começo de uma visão mais crítica da relação trabalho/ócio. Mas os valores numa sociedade mudam lentamente, muito mais lentamente do que a tecnologia. Quando as formas de produzir e trabalhar já se transformaram, já são outras, as velhas formas e fórmulas de pensar ainda resistem. Tenta-se entender e atuar sobre as novas situações com velhos e ultrapassados conceitos. A "tecnologia" de produção de idéias, os instrumentos de pensamento vão mais devagar. O mundo muda mais depressa do que as teorias que tentam explicá-lo. Keynes, numa conferência proferida em Madri, em 1930, preconizava: "No prazo de pouquíssimos anos, isto é, no decorrer de nossa vida, poderemos estar em condições de desempenhar todas as atividades dos setores agrícola, mineiro e manufatureiro gastando um quarto da energia humana que estávamos acostumados a gastar". Em 1994, o economista americano Jeremy Rifkin no seu livro The End of Work (publicado em Português com o título O Fim dos Empregos) se dá conta de que o trabalho está acabando. Seja qual for a atividade, precisamos cada vez de menos trabalho para se produzir a mesma coisa. É claro que uma mudança social desse porte não se faz sem dor. O caminho para o ócio não é reto, plano e simples. Vai dar algum trabalho... A primeira pedra no meio do caminho ou o primeiro fantasma é o desemprego. Se vamos precisar de menos trabalho, muita gente vai ficar sem emprego e, portanto, sem recursos para viver. É o primeiro "raciocínio" que se faz, como sempre tentando entender uma situação nova com velhas formas de pensar. Demorou para que os "defensores dos trabalhadores" percebessem que deveriam lutar por redução da jornada de trabalho em vez de por "mais empregos". E muita gente boa ainda não percebeu isso. Continuam com a lenga-lenga de mais empregos, mais atividades que "gerem empregos", continuam a luta perdida contra a implantação das novas tecnologias. Continuam a lutar para que as pessoas trabalhem mais do que o necessário, mais do que o social e economicamente possível. "As nações do mundo — é Jeremy Rifkin quem diz — não terão alternativa a não ser reduzir as horas de trabalho nas próximas décadas, para acomodar os dramáticos ganhos de produtividade decorrentes das novas tecnologias economizadoras de tempo e de trabalho". A sociedade industrial começou produzindo objetos. Seus fundamentos eram materiais, energia e mão-de-obra. Com as novas tecnologias os objetos materiais requerem muito menos energia e mão-de-obra para serem produzidos. Têm menos valor. Ficam baratos. A nova "mercadoria", a que passa a ter mais valor, é a informação e tudo que está associado a ela. Outro estudioso que vem pensando a sério sobre as conseqüências da irrevogável redução do tempo de trabalho é o sociólogo italiano Domenico De Masi. Já esteve várias vezes no Brasil e tem alguns dos seus livros publicados aqui. Os que considero mais importantes são: Desenvolvimento sem Trabalho, publicado pela Editora Esfera, e, um segundo, O Futuro do Trabalho, publicado pela José Olympio Editora, em que desenvolve mais longamente as teses lançadas no primeiro. Suas teses básicas são as seguintes: "O progresso humano nada mais é do que um longo percurso do homem rumo à intencional libertação, primeiro da fadiga física e depois da fadiga intelectual". "Em linhas gerais, cada vez que a inovação tecnológica e estrutural permite transferir o esforço humano para as máquinas surgem duas análises diferentes: num primeiro momento, o fenômeno é percebido como desemprego e como ameaça ao equilíbrio social; apenas num segundo momento é percebido como libertação da escravidão do trabalho, da carestia e da tradição". A nova sociedade deve se preparar para o que o autor chama de "ócio ativo", isto é, "a peculiaridade humana de introspeção, ideação, produção criativa, reprodução vital, jogo inventivo". As citações são do seu livro Desenvolvimento sem Trabalho. Sem discutir ou discorrer sobre todas as conseqüências e desdobramentos da irrevogável redução do tempo de trabalho, uma coisa é certa: haverá mais tempo para o ócio, mais tempo a ser dedicado ao lazer. "Assim, — é Keynes quem diz na sua conferência já citada — pela primeira vez desde sua criação o homem estará diante de seu verdadeiro e constante problema: como empregar sua libertação das agruras econômicas mais prementes, como empregar o tempo livre que as ciências e os juros compostos lhe granjearam, para viver bem, de forma agradável e sábia?". É hora de se entender o que está acontecendo. É tempo para quem tem poder decidir, seja no Estado ou nas empresas, de criar as diretrizes e condições para esta nova sociedade que desponta. Tristes e pobres os países e as empresas que não se derem conta disso. Tristes e pobres os países que ainda proíbem o jogo e criam dificuldades para as atividades ligadas à diversão. É hora de se investir em lazer. É tempo de se respeitar e valorizar o lazer e a diversão. Há um tempo para cada coisa e, agora, é chegado o tempo para o ócio. |
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